quinta-feira, 4 de março de 2010

1. RUMO AO NORTE






Saímos de Atar em direção à cidade de Zouerat. De lá, partiríamos rumo a Bir Moghrein para iniciar a travessia. No carro que fará o apoio , estamos eu, o Saleh, meu guia e amigo de longas jornadas africanas, o Moma que era barbeiro até a semana passada e agora será cozinheiro e o Sidi Mohamed ( motorista e mecânico).

Na chegada a Zouerat, assim que passamos pelo controle militar, fomos impedidos de seguir para o Norte. Motivo?...

...rumores intensos de que a Alquaeda está na região norte da Mauritânia, seqüestrando turistas, e como consequência disso, o “fechamento de fronteiras”.

Mal sabia que ali, estava começando uma verdadeira epopéia - com muitas histórias, algumas extremamente verdadeiras!

Aqui na África, para se chegar a algum destino, é preciso ter um 'MBA' em criatividade!!! Situações vão acontecendo e a gente tem que lançar mão de muito jogo de cintura e percepção apuradíssima para “desenrolar” certas situações....ou você faz isso ou não circula! Incrível!

Para passar por Zouerat, lancei a informação de que estou escrevendo um livro sobre as travessias a pé aqui na Mauritânia - verdade! E que eu iria até Bir para fazer algumas fotos para o livro - meia verdade!.

Ufa! A história colou e fomos autorizados a seguir viagem, mas teríamos que nos apresentar na Base Militar da cidade de Bir e de lá retornarmos, pois com os ataques, ninguém pode passar.

Durantes os 300 km percorridos até Bir, investi meu tempo esquadrinhando maneiras de como seguir a viagem, mesmo com o impedimento do exército - pois a travessia a pé será justamente nesta região!

Chegamos na Base Militar e quase fomos presos, pois não haviam avisado de nossa ida.

Em tempo, ser estrangeiro aqui acarreta em duas situações: ou você é terrorista ou seqüestrado.

Contamos a história do livro e nos deixaram ficar na região por dois dias, com uma condição: teríamos que dormir no quartel!

Saí de lá com o Saleh. Sentamos na areia e enquanto ele preparava um chá, colocamos as cabeças para funcionar. Imaginem um saharoui e um brasileiro juntos? Mistura fina, perfeita e bombástica para arrumar complicações.

Depois de algum tempo matutando, tomamos a seguinte decisão: Ficaríamos no quartel um dia e depois iríamos embora...mas para o Sahara Ocidental, tentar começar a viagem por onde eu ira terminar!

Era a única solução para continuar a expedição.

Isso significa duas coisas: sairíamos da Mauritânia sem autorização e entraríamos no Sahara Ocidental sem permissão, pois como brasileiro só poderia ir para lá por outra fronteiras.

Nos despedimos dos militares no quartel e eles disseram que mandariam uma mensagem a Zouerat, avisando que estávamos voltando.

Cinco quilômetros depois fizemos uma grande curva, passamos por trás das montanhas de Bir e seguimos em direção totalmente contrária.... rumo ao Sahara Ocidental!

Mega adrenalina...frequetando - como se fosse o bar preferido - a África há 20 anos.

Lá estava eu, indo para uma região sem permissão e com o perigo de encontrar patrulhas do exército mauritano e de brinde, topar com a Alquaeda! Hello my friends...hahahaha

Tem horas que sinto que estou perdendo as referências. Mas ao mesmo, tempo acho que isto que me faz ficar cada vez mais “vivo”!

Depois de alguns quilômetros, o chassi do carro se partiu... a velocidade máxima que conseguimos atingir era de 40 km/h. Para salvar a pele, o ideal seria que essa região fosse percorrida com velocidade levemente superior a 100 km/h ...

De qualquer forma, seguimos e com a ajuda de Alah, que com certeza quer que continuemos a viagem, não encontramos nenhuma patrulha.

...E entramos em terras do Sahara Ocidental e da Frente Polisário.

Ficamos mais calmos pois estávamos no país do Saleh, mas não tínhamos noção do poderia acontecer.

A ideia seria ir até a fronteira do Saara com a Argélia , 350 km de onde estávamos e dali começar a jornada de volta a pé.

Novamente, sentados na areia, confabulamos o que poderia acontecer e qual seria nossa história.

A data em que estávamos ( 25 de fevereiro ) ajudou nossa situação.

Em 2 dias, seria comemorado o dia da Proclamação da República do Sahara Ocidental e ocorreriam festejos tanto nos territórios livres (onde estávamos) quanto nos acampamentos de refugiados em Layounne , Daklha, etc..

Aliás, nestes acampamentos vivem mais de 200 mil Saharouis refugiados depois de mais de 15 anos de luta contra o Marrocos, que invadiu o país, após a conquista da Independência da Espanha.

A mãe do Saleh mora num destes acampamentos e juntamos a história dele, da sua mãe que fará parte do livro e a historia da Revolução. Este seria nosso “visto” no passaporte para entrar num lugar do qual não fomos convidados. História surreal para um lugar surreal e para uma viagem surreal !!!

E lá fomos nós.... com o chassi partido, dirigindo para a fronteira, com o objetivo de entrar nos territórios ocupados! ...E eu ainda não caminhei um centímetro !

2. DE PRESO PARA CONVIDADO A EMBAIXADOR DA CAUSA SAHAROUI...







Chegamos no posto fronteiriço - uma pequena casa - no meio do nada, com areia e dunas por todos os lados.

Ao entregar meu passaporte o militar Saharoui teve um susto e parecia que estava vendo um alienígena.

Nenhum estrangeiro entra por ali vindo da Mauritânia, mas o que ajudou foi ser brasileiro, aqui na África isso ajuda e muito.


Disse que enviaria nosso caso para o Quartel, que fica distante 80 km dali. Pegou meu passaporte e os documentos da minha equipe e pediu para esperarmos.Ficamos até o final da tarde esperando.


8 horas depois, aparece um veículo militar com 3 oficiais da Frente Polisário e nos pedem para segui-los.

Não disseram nada e nem com quem estavam nossos documentos.


Saímos atrás deles , mas a 'merda' do nosso carro não andava e pior, ...eles estavam voltando para o sul ..de onde tínhamos vindo!


Escureceu, perdemos o veículo de vista e uma hora depois eles estavam nos esperando numa duna.

Nesse momento pensei: – Agora F....!


Um deles falando espanhol perfeito ( muitos dos Polisarios estudaram em Cuba ) e subitamente me disse: Você tem que ir mais 50 km para o Sul, até a cidade de Bir Lehlou e nos aguardar na porta de entrada da vila. Pensei....e os documentos?....Nada!

Dormimos nas dunas naquela noite. Na manhã seguinte chegamos bem cedo na vila.

Ficamos até o meio dia aguardando... quando aconteceu um fato...do qual senti muito medo.


Fazia tempo que minha boca não secava.... coração batia acelerado.

Os mesmos militares chegaram, todos de turbante, me tiraram do carro e me colocaram na frente da viatura e partiram comigo rumo ao deserto.

Neste momento, pedi para todos os meus anjos da guarda ( que já devem estar bem cansados )...que me iluminassem, e que acontecesse o melhor.

Não sabia o que havia acontecido com o Saleh nem com a equipe. Enquanto a viatura se deslocava, um oficial da inteligência Polisário me interrogava em francês.

Contei toda a história e que eu estava ali para escrever sobre a causa Polisario ...Detalhe: raras são as pessoas no Brasil que sabem da existência de mais de 200 mil refugiados esperando a 15 anos uma resolução da ONU.

E que como estava na Mauritânia - que era bem perto - queria participar também dos festejos do dia da Revolução.

O interrogatório continuou por mais alguns minutos e o que mais intrigava ele era porque eu não tinha vindo como todo mundo: pela Argélia!


Desconfio que conquistei o oficial, quando eu disse a ele que tinha vindo não com papéis ou vistos, mas com o coração. Neste momento as coisas mudaram.

Ele me olhou e disse : Você é nosso convidado para os festejos da Proclamação da República que vai acontecer no nosso quartel, a poucos quilômetros daqui.

E mais surpreendente ainda: me convidou para se Embaixador da causa Saharoui no Brasil.

Somente uma viagem surreal pode prover um fato assim!



De quase presos e deportados, viramos convidados e iríamos participar de uma festa , na qual estava também, o Ministro da Defesa Polisario.

Festa da Proclamação da República Saharoui

Viramos hóspedes no quartel da 5ª. Divisão da Frente Polisario. Ganhamos um crachá com a foto do mártir da revolução e durante um dia inteiro, eu tive uma aula de história e de humanidade diretamente com os oficiais que guerrearam durante anos com o Marrocos.

A historia é a seguinte:


Até 1975, o Sahara Ocidental era colonizado pela Espanha que abandonou este país sem nenhuma infra estrutura e desprovida de tudo.

Neste momento a Mauritânia e o Marrocos se aproveitaram da situação e invadiram o Sahara Ocidental ( que é rico em fosfato e pesca ) e dividiram o país.

Aqui começa uma das mais incríveis histórias militares do século passado.

Foi criada a Frente Popular para a Libertação de Saguia el Hamra e Rio de Ouro , a Frente POLISÁRIO.

Um povo que não tinha nem estudo e qualquer força militar lutou durante 15 anos contra umas das maiores potências militares da África, o Marrocos, e contra a Mauritânia.

A Mauritânia, eles conseguiram expulsar do Território. Já com o Marrocos, eles tiveram que recuar.


Mais de 200 mil saharouis se refugiaram na Argélia e o Marrocos construiu um muro de 2.000 km ( uma nova versão para o extinto Muro da Vergonha que dividia Berlin ) separando este povo do seu território.

Isso mesmo, um muro com 3 metros de altura e com bases militares a cada 5km...Calcula-se que tenham mais de 170 mil militares marroquinos patrulhando este muro.

A ONU busca uma solução para este conflito através de um referendo que não acontece a 20 anos e deu pra sentir que os Saharouis estão no limite. Uma volta às armas não deve demorar muito.

Vale a pena pesquisar sobre este povo e entender sua luta.

Passei o dia vendo o desfile Militar e também ouvindo histórias dos combates que eles travaram com o Marrocos.

Eles mesmos desenvolveram varias técnicas de combate que foram incluídas em Almanaques Militares.

Depois de tudo, só posso agradecer a Deus por poder estar aqui para sentir , ouvir e propagar estas histórias com vocês, com o mundo.

Amanhã parto o inicio da travessia a pé...finalmente

Salam Maleikun

Toco Lenzi, march 2010 - Africa

segunda-feira, 1 de março de 2010

Saara a pé, 3ª etapa 3




fevereiro de 2010; Boletim 03 Saara a Pé


Nesta expedição nos não utilizamos nenhuma navegação via satélite.

Pretendo fazer esta viagem sempre utilizando guias locais que navegam por instinto.

E incrível ver o meu guia, o Saleh, que ficou durante alguns anos neste território lutando pela Frente Polisário contra o Marrocs, fazendo a leitura do caminho apenas por pequenas indicações com dunas, montanhas, árvores retorcidas.

Procuro também não interferir na alimentação deles, ou seja , eu como o que eles comem: macarrão, arroz, peixe seco e muito chá mauritano. Tudo isso num prato comunitário e sem talheres, a gente come com a mão mesmo.

Meu único luxo aqui e levar um suco em pó sabor de uva, pois o suco é escuro e assim eu não vejo a cor da água.

Durante o trajeto, quando encontramos alguns beduínos, negociamos uma ou duas cabras que são sacrificadas para nossa alimentação.

Toco Lenzi, utilizando telefonia via satélite da Arycom, especial para a Radio Eldorado.

Saara a pé, 3ª etapa 2



Durante os 30 dias e 530 km da caminhada, só vamos encontrar água duas vezes: nos poços de Ben Ai Tili e Bir Lilou.

Por isso temos que levar mais de 500 litros no apoio para o nosso consumo e para cozinhar.

Vamos manter uma média de 20 km diários, caminhando em dois períodos.

Geralmente a gente acorda às 6 da manha com uma temperatura de 0 a 5 graus positivos, tomamos o café e às 7 horas iniciamos o trajeto.

Este horário é o que mais rende pois a temperatura ainda está fria e boa para andar.

Fazemos em média de 4 a 5 km a cada hora e vamosdiminuindo de acordo com o aumento da temperatura, que às 11 horas pode chegar a entre 45 e 50 graus. E isto porque é inverno aqui.

Entre 11 da manhã e 4 da tarde a gente arruma um lugar pra fazer um sombra, almoçar, descansar e sair para mais uma hora de caminhada no final da tarde.

Esta vai ser a rotina que tentaremos manter até o final da travessia.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Saara a pé, 3ª etapa 1




Sábado, 20 de fevereiro de 2010
Boletim 01 Saara a Pé

Hoje começa a terceira etapa da expedição Saara a Pé. Neste momento, estou na cidade de Atar, no interior da Mauritânia, fazendo os últimos preparativos par encarar 530 km entre as cidades de Bir Mogrein e Tindouf, nos territórios do povo Saharoui.

Pretendo percorrer este trecho em 30 dias, caminhando em média 20 km por dia, com alguns dias de descanso. Estão comigo o guia Saleh Waled, combatente da frente Polisário , um cozinheiro que também é barbeiro e um motorista que fará nosso apoio.
Para enviar boletins e chamadas ao vivo, vou utilizar um telefone via satélite, da Arycom.

Será com certeza uma das etapas mais difíceis dessa travessia que pretende ligar o Atlântico ao Mediterrâneo a Pé. Vamos atravessar regiões em que o terreno será somente de sal, algumas montanhas, dunas e com temperaturas que podem variar 50 graus entre as 3 horas da tarde e as 9 horas da noite.

Para esta etapa, não poderei utilizar nem o meu riquisha e nem dromedários no apoio.
A situação, neste momento, na região que vou atravessar aqui no norte da Mauritânia está bem turbulenta devido a um sequestro de quatroespanhóis de uma ONG de ajuda humanitária. A autoria do sequestro foi assumida pelo grupo Alqaeda do Magreb e eles estão pedindo 4 milhões de euros de resgate pelos reféns. Existem algumas informações que apontam que os reféns estão nesta região.
Estamos com uma autorização da Frente Polisário para atravessar este local e com certeza estes acontecimentos vão aumentar a adrenalina da expedição, pois além de todas as dificuldades de uma travessia a pé no deserto ainda temos que nos preocupar com essas questões.

O meu guia, Saleh Waled, que já faz a travessia comigo há dois anos, garante que com a gente não vai acontecer nada, mas estamos todos apreensivos para começar logo a caminhada.